quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A Ladra e o Mago - Cap.03

Antes que os dois sóis manchassem de laranja a madrugada fria, Lythande se vestia para partir, quando ouviu leves batidas à porta.


- Quem está aí?


- Elijah, companhero de viagem de Elisah.


Lythande abriu a porta e se deparou com um bonito adolescente de uns quinze anos, de cabelos vermelhos e grandes olhos azuis. O garoto ficou por uns instantes boquiaberto, fitando o rosto limpo e anguloso do Mago, a estrela de brilho frio entre as sobrancelhas.


-Eu...eu... a senhora Elisah o espera na saída norte. Podemos ir?


-Vamos...Elijah, não é?


O garoto sorriu ao ouvir a voz cheia do mago pronunciar seu nome.


-Sim, Elijah. Parece o de Elisah, não é?


Os dois se puseram a caminho da saída norte. O silêncio do Mago era contraposto à tagarelice inocente de Elijah, até que Lythande fitou seriamente seu interlocutor, um leve brilho em sua estrela e Elijah baixou a cabeça.


-Ah, me desculpe se estou incomodando o senhor...


Lythande balançou a cabeça. A voz do garoto era cristalina, melodiosa, mas o Mago estava habituado ao silêncio.


Elisah estava montada num cavalo pardo, a bolsa de flechas sobre o manto de peregrino, duas mochilas presas à garupa.


- Espero que tenhas tido um bom sono Lythande. tudo bem, Elijah?


- Tudo minha senhora, mas creio ter aborrecido o Mago com minha conversa.


Elisah sorriu e tocou o cavalo.


- Bom saber, Elijah não costuma falar com estranhos, se o fez, é porque gostou de ti, Mago.


Elisa cavalgava lentamente para não se distanciar, mas, às vezes disparava a galope, para esperá-los adiante. Lythande, condoeu-se do garoto e tentou entabular uma conversa com Elijah que parecia triste em seu silêncio.


-Por que ela não usa calças para cavalgar? Com o capuz sobre a cabeça, ao longe, todos julgariam ser um homem, seria mais seguro.


Elijah, ergueu os olhos brilhantes para o mago. Seu rosto denunciava a alegria que sentia ao ouvir o mago lhe dirigir a palavra.


-Elisah diz que se precisar renunciar ao que é por segurança, não merecerá nem ser mulher, nem ter segurança. Isso para ela é covardia ou admitir a própria fraqueza e um dos dois sóis  vai se apagar no dia em que ela demonstrar covardia ou fraqueza.


Lythande franziu o cenho, pensando em como seria prazeiroso, dobrar o orgulho daquela mulher.


Um dos dois sóis já tinha se posto, quando se aproximaram de um rio, onde Elisah decidiu passar a noite.

- Vamos ficar por aqui, Elijah precisa descansar. Garoto,  a pedra.

Ele pegou uma pedra e após observar as árvores, atirou-a na árvore de copa mais larga. Com isso vários pássaros levantaram vôo e Elisah derrubou dois deles com flechadas certeiras.

- Prepare a caça para nós Elijah, eu vou me banhar. Pegue o que for preciso em minha mochila.


Elisah então, caminhou em direção ao rio, desfazendo a trança e despindo seus trajes, inclusive
duas faixas de couro, que estavam presas às coxas, ficando apenas com a camisa branca que ia quase até os joelhos e mergulhou no rio. Lythande abaixou-se à margem do rio, sem acreditar em tamanha falta de pudor.


- Não te constrange banhar-se assim diante de nós?


-Se não estivesses aqui Mago, banharia-me nua. Se mantenho essa camisa, é em respeito a ti.


- E o garoto? Além de caminhar o dia todo, ainda tem que preparar tua refeição?


Elisa se aproximou do mago, os cabelos esparramados no espelho d'água.


- Elijah, precisa aprender que a vida é difícil. ele precisa ter noção de realidade e saber se cuidar. - a ladra encarando Lythande, pousou a mão pequena sobre seu joelho - Elijah gosta de você, Mago. Por que não o ensina a fazer magia? Elijah é inteligente, será um ótimo aprendiz.

- Quer se livrar do garoto?


- Quero livrá-lo de mim! Ou acha que desejo que um garoto esperto e cheio de vida como Elijah se torne um ladrão, um mercenário sem pouso? Ele merece mais.

Lythande encarou sarcástico o olhar intenso da ladra.


-Cuspindo no prato em que come?


- Que escolha eu tinha, Mago? Haviam dois caminhos para mim; tornar-me meretriz como minha mãe e deitar-me a cada noite com um bêbado diferente ou casar-me com um qualquer e a cada noite me deitar com o mesmo bêbado. Lythande, fosse qual fosse a minha escolha, estaria reduzindo minha alma a menos que um pano de chão. Sou uma águia, preciso voar, minhas asas não cabem em gaiolas, por mais douradas que sejam! Ainda assim, não desejo para Elijah, o que não desejo para os filhos que terei um dia.


Elisah saiu da água e começou a secar-se.


-A Grande Deusa espera que eu Lhe dê filhos; em Shariman conheci um homem com quem gostaria de tê-los, mesmo ele sendo um clérigo de Vékna...como eu gostaria de ter tido uma filha com Enemark e sagrá-la sacerdotisa...Mas eu tive medo e aguardei em vão um momento certo para dizer a ele que o desejava.- Elisah se envolveu no manto para vestir roupas secas protegida do olhar de Lythande -Quando ouvires a voz do amor, segue-a, adepto da Estrela. Eu me fiz surda e sofro só.

Vestida, Elisah foi ajudar Elijah e deixando Lythande sozinha.


Elijah assou a carne com sal e especiarias e a serviu com pão. Lythande por diversas vezes surpreendeu o olhar fixo do garoto que o observava.


- Não vais comer, Mago?


- Não Elijah.


- Por que não? Está em teus olhos que tens fome.


-Sirva Lythande Elijah e venha comigo, amarrar minha rede. O mago deve comer só.


Lythande encarou a ladra, ela percebera.


O garoto prontamente colocou pedaços das aves, pão e frutas secas em uma folha larga, entregou ao mago e se afastou com Elisah. Lythande sorriu levemente, protegido pelo manto. Elijah se esforçava tanto em agradá-lo, talvez pudesse realmente ser um bom aprendiz.

Ao vê-los desaparecerem na mata, Lythande tomou a direção do rio, para comer envolto pela escuridão. Quando Elijah retornou, Lythande já estava novamente ao lado do fogo, fumando preguiçosamente.

- Onde está Elisah?


- Dormindo no alto de uma árvore. A rede cor das folhas a torna invisível à noite...


- E tu não vais dormir?


- Não antes de ti, Lythande.


A estrela azul de Lythande reluziu suavemente diante do olhar puro e intenso do garoto.


- O que são aquelas faixas de couro que Elisah prende às coxas?


Elijah olhou em todas as direções antes de responder num sussurro:


- És bom em guardar segredos?


- Não imaginas o quanto.


- São lâminas envenenadas. É assim que morrem todos os homens que tentam violentá-la. Uma lâmina a protege da outra e ela não se corta.


Lythande sorriu balançando a cabeça, esperta a ladra. Olhando para Elijah, sentiu o quão cansado estava o garoto.


- Guardarei mais este segredo, Elijah. Agora vamos dormir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário